Marinaleda

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RESIGNAR-SE, NUNCA!

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A minha história ateísta



A infância. Em 1967, minha família mudou-se do interior do Estado, para a cidade de Olinda, onde residiríamos menos de dois anos. O motivo foi o trabalho de meu pai.

Nesta época tive o meu primeiro contato com a culpa e os horrores cristãos.

Ganhei de minha mãe uma estória ilustrada da bíblia para crianças, escrita por Stephen Edwin King, em quatro ou cinco volumes, não lembro.

A estória da serpente falante que cantou Eva; o paraíso; a maçã; adão. A raiva que senti de Adão por também ter comido a maçã, e desta maneira nos ter privado de viver no paraíso e, de sobra, nos fazer pecadores, de um pecado que eu não entendia bem o que era, nem ousava perguntar a minha mãe.

Estas são as lembranças que trago de Olinda, suas praias, Pará [1] cantando e vendendo suas coxinhas de galinha; meus medos e culpas, meus horrores.

Mas a serpente... A serpente era a atriz principal da trama. Ela me fez ter pesadelos horríveis, piores dos que eu tinha, quando mais novo, com o lobo mau (conto a história do lobo mau em outra oportunidade); imaginava-a debaixo de minha cama, quando ia dormir; atrás da porta do banheiro, quando ia tomar banho; travestida de demônio, quando me encontrava só, sozinho, em um ambiente escuro, ou mesmo claro, desde que sozinho.

A internet. Li, na própria net, não lembro a fonte, que depois do seu advento, aquilo que achávamos que fazíamos bem ou diferente dos outros, entre nossos amigos, familiares e conhecidos, era feito por mais, e de melhor forma, por outras cinquenta pessoas, principalmente pelos chineses, e o pior, com no mínimo, dez anos de idade a menos do que você.

Tive esta certeza, quando me espantei, ao tomar conhecimento, de adolescente de 15, 17 anos que já se posicionavam, e criticamente, como ateus. O meu ateísmo não foi tão fácil assim, demorou longos anos para sair do armário. Até mesmo do armário que há dentro de mim, não apenas do armário social.

Minha família sempre foi muito religiosa, católica. Até os catorze anos, fui obrigado, por minha mãe, a frequentar a igreja. Ao entrar na faculdade, em 1981, aos dezoito anos, minha fé em deus não tinha sofrido abalos significativos, assim, bem como, minha filiação a Igreja Católica.

Fui cursar Engenharia Civil. Mas todos os cursos da UNICAP, faculdade católica de Pernambuco, onde passei a estudar, tinham duas cadeiras de teologia, uma no primeiro semestre do curso; outra no segundo.

O resultado de ter que estudar teologia foi o meu despertar para o agnosticismo, e daí para o ateísmo. Com certeza este não era o resultado esperado pela faculdade, quando incluiu em sua grade as cadeiras de Teologia I e II, muito pelo contrário.

Dois temas chamaram-me muito a atenção naquele momento, (i) os argumentos filosóficos para a existência de Deus e, os argumentos filosóficos contrários; (ii) o problema do mal.

O ateísmo. Depois destes estudos, passei a não me considerar mais católico, nem teísta; era um não religioso, talvez um deísta; mas já com o pé no agnosticismo. 

Os anos passam e meu agnosticismo vai ficando bem mais sedimentado. Porém, meu caldeirão de cultura erudita – strictu sensu – foi ficando mais cheio e mais misturado, e o conhecimento leva a “verdade”, e a verdade não traz conforto ou felicidade.

O sofrimento humano, impulsionado pelo capitalismo; a fome; as guerras; etc. encaminharam-me diretamente para o ateísmo. Caso deus existisse, entendia, teria que ser um deus do mal, era a única conclusão possível.

Resumo da ópera: tornei-me ateu. Algumas vezes flertava com o agnosticismo, mas voltava, largo e ligeiro, aos braços do ateísmo, sempre.

Não costumo dizer aos quatro cantos que sou ateu. Caso perguntem não nego, não me escondo. Declarar-se ateu  “choca” as pessoas de bem. Quando falo que o sou, olham-me como se eu fosse o filho do próprio capeta e, ao mesmo tempo, estivesse infectada com a AIDS, a lepra e desenvolvido um câncer, afastam-se de mim ou tentar me catequizar. Adoro quando afastam-se de mim.

Muitas vezes argumentam que sou ateu por que sou deficiente físico, e tenho raiva de deus. Nestes casos não adianta argumentar, o negócio é dar uma boa e grande gargalhada e deixar a pessoa em dúvida: ele aquiesceu?

Nos primeiro momentos que descobri que eu era, de forma convicta, ateu, tive um sentimento de orfandade, Freud deve explicar isto. O deus pai todo poderoso do cristianismo, que já havia assassinado o politeísmo, dando assim um golpe mortal no respeito, não só a diversidade religiosa, mas, a própria natureza, havia-me traído.

De repente, não mais que de repente, não haviam mais deuses, principalmente as deusas: da natureza, da agricultura, dos rios, das florestas, do amor, da fertilidade, etc.; de repente o meu querido deus Baco era apenas mitologia; e o único deus verdadeiro era falso, conversa para boi dormir, ou melhor, para serpente dormir.

O deus cristão, autoritário e autocrático, funcionava para mim como uma segunda instância judiciária: os homens que se comportavam mal aqui na terra seriam “julgados” e receberiam uma pena e uma oportunidade para se redimirem dos seus pecados. Existia, na minha concepção, apenas um pecado: fazer o mal a terceiros; o resto tudo era balela, pecadinhos de crianças, que rimos quando os descobrimos.

O inferno imaginava-o, não com o de Dante ou o que me descrevia minha mãe e minha professora de catecismo, que nem lembro o nome; mas algo para redimir. Hoje seria assim tal qual uma penitenciária escandinava. Mas nada era verdade, tudo ilusão, ficção de mau gosto.

Nada existia após a morte, só um grande e “eterno” sono. Eram tudo fábulas, desejo humano de ser para sempre, mesmo sendo feito de matéria apodrecível.

Melhor o ateísmo, que pelo menos, em nome de nenhum deus, ou mesmos pelos ateus, nunca levantou a bandeira de uma guerra, uma cruzada, uma inquisição um programa de TV e seus dízimos.

Ressuscitei Baco dentro de mim. Houve festa e ainda há.

Falar nisto, hoje tem culto.


[1] Famoso vendedor ambulante das praias de Olinda.

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